sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Reforma da Previdência não tem capacidade de estimular a economia e fazer país voltar a crescer

Segundo Denis Maracci Gimenez, do Cesit, sistema de seguridade criado a partir de 1988 serviu para amortecer os efeitos das crises econômicas vividas pelo país desde então




São Paulo – O enfraquecimento do sistema de seguridade social, se aprovada como está a aprovação da “reforma” da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro, em tramitação no Senado, deixará o país mais vulnerável, econômica e socialmente, principalmente em períodos de crise. A advertência é do diretor do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade de Campinas (Unicamp), Denis Maracci Gimenez.

O professor critica a “interdição do debate sobre a “reforma” por parte dos meios comerciais de comunicação. Segundo ele, o que se vê nos principais veículos é uma tentativa de impedir a opinião pública de ter acesso a qualquer outra perspectiva que não esteja de acordo com os discursos que pregam a necessidade de um “ajuste fiscal” nas contas da Previdência.

No entanto, ele alerta, as mudanças nas aposentadorias, além do prejuízo social, não vão trazer o alegado crescimento da economia. E isso, reitera Gimenez, não é só questão de opinião, mas de se observar com seriedade os fatos e as experiências históricas.

“A reforma da Previdência não tem a capacidade de estimular a economia. O país não vai voltar a crescer por conta da reforma. Isso não corresponde a nenhuma experiência histórica verificada entre os países”, afirma o especialista, lembrando que a também alegada capacidade da reforma trabalhista de gerar empregos se mostrou uma mentira.

O que é possível perceber, segundo ele, é que os países, em desenvolvimento que registraram crescimento expressivo, o Estado é protagonista, estimulando e organizando os investimentos, e não cortando gastos. “Não é um problema de opinião, mas um fato histórico.”

De acordo com o diretor do Cesit/Unicamp, cenas vivenciadas durante a crise econômica que marcou o o início da década de 1980, no governo Sarney, quando a população pobre do interior do Nordeste afluía para as grandes cidades em busca desesperada por comida, inclusive apelando para saques em supermercados, podem voltar a ocorrer.

Gimenez, doutor em Desenvolvimento Econômico e mestre em Economia Social e do Trabalho, destaca que, após a Constituição de 1988, que criou o atual sistema de Seguridade Social, que inclui a Previdência, o Brasil viveu outros períodos de crise, como vive atualmente, contudo, não registrou essas cenas de caos social, como ocorria antes.

“A crise é severa, a desorganização da economia brasileira é grande, com desemprego elevado e subutilização da força de trabalho, mas não temos uma situação de convulsão social. O sistema previdenciário é um enorme amortecedor, funcionando como um estabilizador da renda dos mais pobres”, afirmou o professor, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta sexta-feira (13).

“É evidente que temos dificuldades na Previdência, mas que foram criadas e promovidas, em larga medida, pelos efeitos da crise e da crescente desorganização do mercado de trabalho”, apontou o professor. Denis Gimenez lembra que a Seguridade Social, como prevista na Constituição, tem múltiplas formas de financiamento, e não apenas as contribuições previdenciárias dos trabalhadores, e que durante décadas houve a retirada de recursos do sistema para arcar com outras despesas do orçamento, através da Desvinculação das Receitas da União, conhecida como DRU, o que contrária o discurso oficial de que haveria déficit nas contas das aposentadorias.

“O sistema de seguridade social inclui a Previdência Social, benefícios assistenciais e várias modalidades de proteção, tentando projetar o conjunto de necessidades da população. Para financiar, montou-se um orçamento com uma base de arrecadação variada, que não inclui apenas as contribuições previdenciárias. Não é correta a ideia de que se criou direitos sem ter como financiar. O sistema historicamente sofre com a retirada de recursos da seguridade social. Não é que o orçamento fiscal sustenta a Seguridade. Na verdade, a Seguridade transfere recursos para o Orçamento.”


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quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Comissão de Direitos Humanos volta a debater reforma da Previdência na sexta



A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) promove nesta sexta-feira (13), às 9h, mais uma audiência pública para discutir a reforma da Previdência (PEC 6/2019). Desta vez, o foco da discussão será “a Previdência que queremos”.

Para a discussão, foram convidados o vice-presidente de Estudos e Assuntos Tributários da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip), César Roxo; o secretário de Assuntos Jurídicos e Legislativos da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Gabriel Magno Pereira da Cruz; e o advogado Diego Cherulli, secretário-geral do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).

Também devem participar do debate representantes de centrais sindicais, sindicatos e associações de servidores públicos e de trabalhadores da iniciativa privada, além de representantes de entidades de aposentados e pensionistas.

A audiência, no Plenário 6 da Ala Nilo Coelho, é interativa, com a possibilidade de participação popular por meio de comentários ou perguntas.


COMO ACOMPANHAR E PARTICIPAR

Portal e-Cidadania:senado.leg.br/ecidadania 
Alô Senado (0800 612211)

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quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Maria Lúcia Fattorelli: ‘Privilegiados são banqueiros e empresários bilionários isentos de IR’

"Vamos tributar as heranças como os Estados Unidos tributam", propõe ex-ministro da Previdência Ricardo Berzoini no Senado



São Paulo – A coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lúcia Fattorelli, participou na tarde desta terça-feira (10) de audiência no Senado, em que atacou duramente a reforma da Previdência. “O governo argumenta que vários países fazem esse tipo de reforma. Claro, vários se ajoelham da mesma forma ao que manda o BIS (Banco de Compensações Internacionaism ou Bank for International Settlements, na sigla em inglês), o banco central dos bancos centrais, o FMI, o Banco Mundial, a cúpula do mercado financeiro”, disse.

“Essa PEC contém diversas inconstitucionalidades, principalmente a vedação ao retrocesso social. Destrói os alicerces da Seguridade Social conquistados em 1988.” Segundo ela, se a justificativa do ministro da Economia, Paulo Guedes, é que o país precisa arrecadar R$ 1 trilhão, para isso bastaria fazer uma reforma tributária progressiva. Há dois projetos na Câmara dos Deputados, que tributam grandes fortunas e acabam com a isenção de lucros e dividendos, que seriam suficientes para garantir uma arrecadação de R$ 1,25 bilhão nos próximos dez anos, de acordo com a economista.

“É uma questão de escolha. A escolha que está sendo feita neste país é privilegiar o rentismo. A PEC 06/2019 abre espaço para o desvio da arrecadação tributária pela rede bancária. Quem fala em déficit, nunca leu o artigo 195 da Constituição, que diz que a Seguridade será financiada pelo conjunto das contribuições sociais e pelo orçamento fiscal.”

De acordo com ela, até 2015 as contribuições foram “mais do que suficientes” para financiar a Seguridade Social. Porém, o déficit não está na Previdência, nem na Seguridade Social, como justifica o governo, mas na política monetária do Banco Central, que “produziu a crise ao gastar R$ 1 trilhão nos últimos dez anos pra remunerar a sobra de caixa dos bancos de forma ilegal, abusando das operações compromissadas”.

Segundo a auditora, a crise produzida pela política monetária é útil para o mercado financeiro, que “é beneficiário da emenda do teto de gastos”. Prova disso é que a Emenda 95, que instituiu o teto, deixou de fora os gastos financeiros com a dívida. “O mercado é que se beneficia com a reforma da Previdência, com as privatizações e com a autonomia do BC, que quer ficar acima de tudo e de todos.” O Banco Central “jogou a economia na inanição, quebrou as empresas, e empresa quebrada não paga contribuição, e desempregado também não”.

Idosos x crianças

O ex-ministro da Previdência Social Ricardo Berzoini participou da sessão e disse que uma das justificativas do governo e de Paulo Guedes para a reforma da Previdência é absurda: a de que é preciso tirar dos idosos para proteger as crianças. “(Mas) precisamos tributar corretamente os bilionários, os latifundiários, os banqueiros, para que possamos ter dinheiro para fazer as políticas públicas.”

Ele acrescentou: “Para quem me chama de bolivariano, nesse ponto quero ser norte-americano. Vamos tributar as heranças como os Estados Unidos tributam. O Imposto de Renda da Pessoa Física. Não dos trabalhadores, mas daqueles que nos Estados Unidos ganham mais de US$ 500 mil por ano e pagam 37% de alíquota.”

Berzoini lembrou ainda a situação da Argentina, cujo presidente Mauricio Macri, ao se eleger em 2015, prometeu consertar a economia, com sua política econômica de interesse do mercado financeiro, e conduziu o país à profunda crise atual. “A Argentina tem problemas hoje por conta do governo ultraneoliberal de Mauricio Macri, que falou ‘Argentina is back’ ao mercado de capitais. E a Argentina, hoje, ‘is back ao FMI, e ao default e ao calote”.

Fattorelli acrescentou que os dados oficiais comprovam que o alegado rombo não está nos gastos com pessoal, nem da Previdência, mas no gasto financeiro. “O governo fundamenta a reforma em dados falaciosos. Não é a Previdência que tem feito a dívida crescer. Privilegiados são banqueiros e grandes empresários isentos de IR sobre lucros e dividendos bilionários. Tabela da Receita Federal mostra que quem ganha acima de 320 salários mínimos por mês não paga IR, porque tudo é lucro distribuído.”

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Governo quer cortar gastos com saúde, educação, aumentar imposto e privatizar

Paulo Guedes quer privatizar estatais , acabar com os investimentos obrigatórios, a volta da CPMF e demitir servidores públicos. Para economista da Unicamp, medidas são para retirar o Estado da economia




Depois de nove meses de mandato sem apresentar sequer uma proposta de desenvolvimento sustentável, com justiça social e geração de emprego e renda, o ministro da Economia do governo de Jair Bolsonaro (PSL), o banqueiro Paulo Guedes, listou uma série de medidas que supostamente ajudariam a aquecer a combalida economia do país. Todas na linha do desmonte, do ataque à soberania nacional e aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

Em entrevista ao Valor Econômico, Guedes afirmou que pretende privatizar todas as estatais de uma só vez, acabar com os investimentos obrigatórios em áreas como saúde e educação, extinguir as deduções no imposto de renda, demitir servidores públicos e reduzir salários e recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), entre outras medidas.

O argumento do ministro é o usado sempre que este governo ataca direitos sociais e trabalhistas e a soberania nacional: o Brasil está quebrado e não tem como manter os investimentos obrigatórios em saúde e educação, entre outros, como manda a Constituição.

A ideia de que cortar investimentos, que o governo de Bolsonaro chama de gastos, é rebatida pelo economista da Unicamp, Felipe da Roz. Para ele, esse é um discurso neoliberal que se alinha ao do ilegítimo Michel Temer (MDB), desde o golpe de 2016 e, como vimos, não aqueceu a economia do país.

Segundo o economista, é o mesmo discurso há anos. O governo diz que cortando gastos o Brasil retomará o crescimento econômico porque o mercado financeiro voltará a investir e confiar no país. Mas, o que eles não contam é que isto faz parte de um projeto mais amplo de retirada do Estado da economia.

“Esse ataque é para reformular a maneira como o Estado é colocado na economia brasileira. Porque não se justifica dizer que cortar despesas vai trazer o crescimento. Nem o Guedes explica como. É por meio da confiança do mercado financeiro? questiona Felipe da Roz, que complementa: Quando o governo corta gastos com saúde na compra remédios, por exemplo, ele está deixando de promover o setor privado, a empresa fornecedora perderá renda e, consequentemente, haverá desemprego”.

“Se tem desemprego não tem consumo, se não tem consumo, não tem impostos a arrecadar. O governo não pode dirigir a economia do país como se fosse uma casa em que a família perdeu parte de seu rendimento e tem de cortar gastos. Na verdade, os gastos do governo é que impulsionam a economia porque voltam na forma de arrecadação de impostos”, diz.

A Emenda do Teto dos Gastos Públicos, que congelou os investimentos públicos por 20 anos, não é apenas um limitador dos gastos do governo, ela impede que o governo gaste até se arrecadar mais, analisa Felipe Roz.

“Pegaram um teto X e a partir disso se reajusta de acordo com a inflação. Mas, se o país crescer, por exemplo, 5% do PIB [Produto Interno Bruto ] e tiver 4% de inflação, o 1% a mais que arrecadou não poderá ser utilizado pelo governo”, explica.

O economista diz ainda que Paulo Guedes comanda a economia do país no sistema que chama de “três dês”: desimpedir, desobrigar e desindexar.

“Ele quer desobrigar o pagamento dos salários do funcionalismo,  desindexar os benefícios sociais para que não sejam reajustados pela inflação e desvincular os gastos mínimos com  saúde e educação.

Para Felipe Roz, o governo já cortou tudo o que podia cortar e agora “ataca o que é protegido pela Constituição. A ideia é cortar recursos do orçamento fiscal para pagar dívidas do setor financeiro, o que não gera emprego e renda para o país.

A volta da CPMF também é duramente criticada pelo economista que considera a carga tributária no Brasil alta, e diz que criar tributos só aumenta o problema de arrecadação.

O programa de privatização do governo Bolsonaro, na opinião de Felipe, é a outra face da mesma moeda de que o Estado não tem de investir na economia, daí o governo passa a trabalhar com a velha afirmação infundada de que elas são ineficientes e a solução é pegar o dinheiro para sanar o problema fiscal do Brasil.

“Não faz sentido algum vender as estatais para pagar dívidas até porque estamos numa crise, e são elas que geram emprego e renda. A Petrobras, por exemplo, gera um impacto econômico importante para o país”, diz Felipe.

O que Guedes está querendo fazer é uma loucura. Na verdade, ele quer vender as estatais do dia para a noite, com pressa, para fazer de um jeito que a sociedade não discuta seu projeto
- Felipe da Roz

Brasil não está quebrado

O ministro da Economia diz que medidas como as privatizações, a volta da CPMF e o corte de gastos são necessárias porque o Brasil está quebrado. Tese que é contestada por Felipe da Roz.

“O Brasil está numa situação fiscal complicada, mas falar que o Brasil está quebrado é forçar a barra. Ao contrário da Argentina que vive uma forte crise econômica, por ter suas dívidas em dólares, por acordos internacionais e com o FMI, nós temos a dívida em reais e uma reserva de US$  300 bilhões”, afirma.

Para o economista da Unicamp, não há solução a curto prazo, mas uma política de investimentos, principalmente em infraestrutura, que geraria emprego e renda e, resolveria a questão fiscal a longo prazo.

“As medidas econômicas adotadas pelo governo [Bolsonaro] são insuficientes para a retomada do crescimento e melhora da situação fiscal,e mais que isso, podem piorar a situação da população ao atacar o gasto obrigatório do Estado com saúde e educação".

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terça-feira, 10 de setembro de 2019

Comissão do Senado debate impactos negativos da Reforma da Previdência para os municípios

Diminuição previsível da circulação de dinheiro será extremamente danosa, principalmente nos pequenos municípios brasileiros. "Hecatombe econômica", alerta auditor fiscal



São Paulo – Estados e municípios terão o orçamento afetado com a “reforma” da Previdência. O cenário foi debatido nesta segunda-feira (9) na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado. Segundo dados do próprio governo federal, 70% dos municípios dependem do pagamento de benefícios previdenciários.

Para o auditor fiscal da receita e autor do livro “A Previdência Social e a Economia dos Municípios”, Álvaro Sólon de França, a médio e longo prazo o dinheiro dos aposentados vai fazer falta. “Será extremamente danoso. Haverá uma diminuição na circulação de dinheiro, principalmente nos pequenos municípios brasileiros e teremos uma hecatombe econômica. Os municípios que hoje sobrevivem do pagamento de benefícios previdenciários terão a diminuição dos seus recursos, isso acarretará na diminuição da qualidade de vida das pessoas”, afirmou ao repórter Uelson Kalinovski, da TVT.

Segundo Bruna Martos, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), sem direito à aposentadoria, a tendência será de aumento da faixa etária da população economicamente ativa, situação para a qual o país não está preparado. “Não dá para comparar com outros países, principalmente os Estados Unidos, onde a cultura e a empregabilidade de pessoas com uma idade mais avançada é nítida. O Brasil ainda não tem essa cultura, nós sabemos que as pessoas, hoje, aos 50 anos, já não conseguem mais encontrar oportunidades no mercado de trabalho”, disse.

A informalidade tem explodido no país, fruto da reforma trabalhista, o que também impacta a arrecadação previdenciária. De acordo com Bruna, o Brasil poderá se transformar em uma nação de idosos e miseráveis. “A gente tá vendo, com base em tudo que está sendo discutido, que o valor da aposentadoria vai cair significativamente. R$ 80 faz diferença no cálculo para quem precisa comprar um gás, pagar uma conta de água, quem dirá nas alterações que são muito maiores”, criticou ela.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, quer votar a PEC da Previdência, em 1º turno, já nesta quarta-feira (11). Uma reunião com lideranças partidárias, na tarde desta terça-feira (10), vai definir, mas a oposição é contra, pois disse que já havia um acordo de que novos debates e audiências públicas seriam realizados nesta semana e a PEC só entraria na pauta a partir do dia 18 de setembro.

“Eles querem votar já nesta quarta-feira, isso é um absurdo, é inaceitável. Vou apresentar requerimento na CCJ, na Comissão de Direitos Humanos e no plenário, para que essa matéria não seja votada de forma rápida, correndo desesperadamente, porque não querem que o povo perceba o que está acontecendo”, disse o senador e presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS).


Assista à reportagem do Seu Jornal, da TVT




Fonte: Rede Brasil Atual
Foto: GERALDO MAGELA/AGÊNCIA SENADO

Reforma quer pagar mínimo para todos porque considera rico quem ganha R$ 1.500

Para advogada especialista em Previdência, Júlia Lenzi, texto do relator, Tasso Jereissati (PSDB-CE), é um dos mais cínicos já feitos no Senado contra a classe trabalhadora


Com pressa em aprovar as maldades contidas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 06/2019, nome oficial da reforma da Previdência, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, nessa quarta-feira (4), o relatório de Tasso Jereissati (PSDB-CE) com poucas alterações em relação ao texto já aprovado em dois turnos na Câmara dos Deputados.

O texto aprovado por 18 senadores que fazem parte da CCJ é um dos mais cínicos e cruéis que o Senado já produziu contra os trabalhadores e as trabalhadoras, afirma a advogada especialista em Previdência, do escritório LBS, Júlia Lenzi.

E o Senado ainda está vendendo a ideia de que as alterações feitas na Casa protegem os mais pobres contra os ‘privilégios’ dos mais ricos, critica a advogada que afirma: “A desculpa de que a reforma combate privilégios é cínica “.
Para a maioria dos senadores da CCJ, pobre é quem ganha um salário mínimo e rico [os privilegiados] é quem ganha em torno de R$ 1.500,00. Isto é colocar trabalhador contra trabalhador- Júlia Lenzi

Entre as maldades mantidas no texto, ela lista a obrigatoriedade da idade mínima – 65 para homens e 62 para as mulheres -, a redução no valor do benefício para 60% de todas as contribuições e o direto a ter 2% a mais por ano somente a partir do 21º ano contribuído no caso dos homens e no caso das mulheres a partir do 16º ano. 

“Tasso Jereissati disse que protegeu os mais pobres. Como, se negou os 2% a mais ao ano e cortou o pagamento do abono salarial de quem ganha acima de R$ 1.300,00?”, questiona.

“O que eles estão fazendo, na verdade, é reduzir a aposentadoria e os benefícios para que todos ganhem apenas um salário mínimo”, diz a advogada.

De acordo com ela, hoje, a média das aposentadorias é de R$ 1.331,00. Ao achatar o valor do benefício para o mesmo patamar do piso nacional, a Previdência será transformada em política assistencial, numa lógica de rebaixamento da proteção, como se o trabalhador que contribuiu não merecesse ganhar R$ 400,00 a mais por mês.

“Isto agrava o financiamento da Previdência porque os jovens, sobretudo os que estão acima da pirâmide social, não terão interesse em contribuir porque sabem que no futuro vão se aposentar com muito pouco”, critica Júlia Lenzi.

Tempo de contribuição mínima pode aumentar

E como no governo de Jair Bolsonaro (PSL), pai da reforma da Previdência junto com o ministro da Economia, Paulo Guedes, o que está ruim pode piorar, o relatório do tucano Tasso Jereissati consta que os 15 anos de contribuição mínimos para se aposentar ainda vão depender de regulamentação de uma lei complementar. Segundo a advogada, o governo e o Congresso podem apresentar outra proposta aumentando esse tempo para 20/30 anos.

Tasso ampliou cobrança de alíquota de servidor aposentado

Outro ponto no texto criticado duramente pela advogada é a eliminação de trechos que poderiam impedir a criação da contribuição extraordinária cobrada dos servidores públicos, aposentados e pensionistas dos estados e municípios em caso de déficit.

A redação do artigo 149 ficou sem a expressão “no âmbito da União”, ou seja, o senador abriu a possibilidade dos servidores estaduais e municipais aposentados e pensionistas também pagarem a contribuição. A Câmara havia aprovada a cobrança somente pela União.

“Isto significa que mesmo que a PEC Paralela, que vai discutir a inclusão de estados e municípios na reforma, naufrague, a contribuição extraordinária já passa a valer para qualquer um desses entes. Será um efeito cascata nos municípios, porque para não aderir à reforma, o prefeito terá de publicar uma portaria negando a adesão. Nenhum gestor terá a audácia de ficar de fora por medo de perder recursos do estado”, avalia Júlia.

Mudanças benéficas são migalhas

Os senadores aprovaram modificações no texto que veio da Câmara em relação à pensão por morte, que antes, poderia ficar abaixo do salário mínimo. Com a mudança nenhuma pensão por morte poderá ser abaixo deste valor. Também aumentou a cota de 10% para 20% do valor do benefício que cada dependente terá direito, mas diminuiu a idade do dependente de 21 para 18 anos.

Já na aposentadoria por invalidez de qualquer natureza, não necessariamente por acidente de trabalho ou doença contraída em decorrência da atividade laboral, o valor do benefício começa com 70%, dependendo do tempo de contribuição e não mais com 60%, como estava determina no texto da PEC de Bolsonaro enviado para a Câmara.

Veja o que mudou em relação ao texto da Câmara

BPC

Ao todo, senadores apresentaram 489 emendas à Proposta. O relator eliminou, por completo, qualquer menção ao Benefício da Prestação Continuada (BPC). Ou seja, as regras atuais ficam mantidas e esse benefício não passará a ser regulamentado pela Constituição.

Trabalhadores em profissões de risco

Foi suprimida a parte da regra de transição para os profissionais expostos a agentes nocivos, como os mineiros de subsolo, que elevava progressivamente os requisitos para que esses trabalhadores conseguissem a aposentadoria. Ainda fica valendo a regra de pontos, mas sem progressão.

PEC paralela

Outras sugestões de mudanças apresentadas pelos senadores, que exigiriam alterações substanciais no texto, ficaram para a PEC paralela, uma forma de evitar a volta da reforma da Previdência para a Câmara.

Além da inclusão de estados e municípios, a PEC traz a cobrança de contribuições previdenciárias de entidades filantrópicas, do agronegócio exportador e do Simples, regime simplificado de tributação para pequenas empresas, entre outros pontos.

Para conhecer o texto completo do relator, clique aqui.

Oposição vota em separado

Contrários ao texto do relator, os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES), Weverton (PDT-MA), e Paulo Paim (PT-RS) apresentaram votos em separado. Nesses relatórios alternativos, os parlamentares manifestaram discordância em relação a diversos pontos da proposta como a alteração do cálculo dos benefícios, o aumento das alíquotas de contribuição, a redução do Abono do PIS/Pasep, entre outras. Fabiano Contarato considerou as mudanças feitas pelo relator insuficientes e sugeriu a supressão de outros pontos no voto em separado. Ele recomendou a aprovação da PEC 6/2019 com mais de 80 emendas apresentadas pelos senadores. Já Weverton e Paim, defenderam a rejeição integral da PEC 6/2019.

O trâmite da reforma

Segundo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a reforma da Previdência deverá ser votada no Plenário da Casa, já na próxima quarta-feira (11). De acordo com ele, há divergências entre os senadores sobre qual critério deve ser usado para contar o prazo previsto no Regimento Interno do Senado de discussão em Plenário antes da votação.

O Regimento fala das cinco sessões. Mas, alguns senadores afirmam que o o Regimento diz dias úteis.

O texto vai passar por dois turnos de votação no Plenário do Senado, onde precisará ser aprovado por três quintos dos senadores, o que equivale a 49 votos.

O texto vai passar por dois turnos de votação no Plenário do Senado, onde precisará ser aprovado por três quintos dos senadores, o que equivale a 49 votos.

Se for aprovado pelo Senado sem mudanças, o texto será promulgado como uma emenda à Constituição.

Com informações da Agência Senado

Fonte: CUT
Foto: AGÊNCIA SENADO

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Reflexos na saúde após golpe de 2016 podem levar Brasil à barbárie social

Ex-ministro Chioro alerta: corte nos investimentos públicos somado à recessão econômica e precarização do trabalho deixarão milhões sem assistência médica




São Paulo – O Brasil teve a oportunidade de experimentar por três décadas a construção de um sistema universal de saúde baseado na ideia de que esse é um direito de todos e um dever do Estado. Mas, após três anos do golpe que em 31 de agosto destituiu definitivamente Dilma Rousseff da Presidência da República, essa construção corre grave risco e pode levar o país a uma situação de barbárie social.

Ministro da Saúde do segundo governo Dilma, entre 2014 e 2015, o médico Arthur Chioro (veja entrevista ao final da reportagem) lembra que o Brasil foi o único país com mais de 100 milhões de habitantes que ousou colocar na Constituição, em 1988, esse direito, com a criação do Sistema Único de Saúde.

“Entre 2003 e 2015 tivemos a oportunidade de viver esse processo de expansão, com cobertura de mais de 70% da atenção básica em saúde”, diz, lembrando programas como o Saúde da Família, o Mais Médicos. “Setenta e três milhões de brasileiros que viviam em condições mais adversas, nas periferias das grandes cidades, região semiárida, na região Amazônica, aldeias indígenas, assentamentos, nunca tinham tido contato com uma equipe completa.”

Obras dos governos petistas, a expansão da atenção básica coincidiu com a ampliação da assistência farmacêutica, a criação de programas como o Brasil Sorridente (odontológico), a implantação dos serviços de Samu, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, em todo o Brasil.

“O resultado concreto é que, graças ao SUS, o brasileiro vive mais, houve diminuição da mortalidade infantil e materna, da mortalidade por causas evitáveis. Se o brasileiro vive mais e melhor, ele deve fundamentalmente à criação de um sistema universal, para todos”, avalia Chioro.

Mas, uma das primeiras áreas atingidas pelo golpe, a saúde acabou vendo sua evolução orçamentária paralisada pela Emenda Constitucional 95. Promulgada pelo Congresso Nacional quatro meses após a destituição da presidenta Dilma, a emenda conhecida como PEC da Morte estabeleceu um teto de gastos válidos por 20 anos.

Com isso, o montante que vinha tendo aumentos mais ou menos expressivos desde 2004 – cresceu 18,54%, em 2012 – chegou a 2019 com um ínfimo acréscimo de 0,23%. A situação deve piorar muito e continuamente até o ano de 2036, segundo estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). A projeção do orçamento para o setor, sob a barreira do teto de gastos, indica perda que deve chegar a R$ 1 trilhão até 2036, em relação ao que seria investido na saúde de acordo com o previsto pela Constituição Federal.

Perversidade da velha política



“E o que é mais perverso é que tanto o governo Temer como o governo Bolsonaro têm utilizado a ‘sobra’ de recursos obtida pela fragilização de programas como a Farmácia Popular, pelo não cumprimento dos gastos previstos no programa Mais Médicos, pela diminuição da oferta de vacinas e medicamentos de alto custo, exatamente para fazer pagamento de emendas parlamentares com as quais têm sido literalmente compradas as reformas trabalhista e da Previdência”, denuncia Chioro.

“E a gente ainda é obrigado a ouvir o discurso de que a relação com o Congresso mudou e o governo Bolsonaro não faz a política do ‘toma lá e dá cá’. É literalmente uma política do ‘tira da população brasileira’ para honrar o processo de desmontagem da estrutura de proteção social que esse país construiu ao longo de décadas”, critica o médico sanitarista.

A Emenda Constitucional 95 é tão absurda que quanto maior o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional, maior a perda de recursos para cuidar da saúde da população. Pela regra anterior ao teto de gastos, a saúde seguiria correspondendo sempre a 15% do orçamento geral. Mas com o teto, se o PIB tiver crescimento, os investimentos em saúde não acompanham, porque a lei prevê a correção do orçamento no máximo pela inflação.

A mesma situação ocorre com o investimento per capita em saúde. Nos governos petistas, o Brasil avançou de um investimento em saúde por pessoa de aproximadamente R$ 420, em 2008, para R$ 519, em 2016. A projeção do Ipea indica que chegaríamos a 2025 com R$ 632 per capita, e em 2036 com R$ 822. Mas o teto de gastos impede essa evolução e vai fazer o país reduzir o gasto per capita em saúde para R$ 411 em 2036. Menos do que era investido em 2008.

Os programas de atendimento à população mais pobre estão entre os mais atingidos. Após 16 anos de expansão contínua, a Estratégia Saúde da Família (ESF), modelo de atendimento que a equipe de saúde vai à casa das pessoas e atua de forma territorializada, teve sua primeira redução de atendimento. Em 2019, o ESF perdeu 836 equipes, deixando de atender 2,2 milhões de pessoas. A equipe completa, mencionada pelo ex-ministro Chioro, é multiprofissional, composta por médico e enfermeiro especialista em saúde da família, auxiliar ou técnico de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS).

“Estudo publicado em 2018 já antecipava o impacto que a EC 95 teria sobre municípios e estados. Mantida a ordem das coisas, chegaremos em 2022 com estados e municípios tendo de honrar, para manter a atual rede existente, 70% dos gastos com saúde e isso é impossível”, relata o ex-ministro. “O que nós já estamos observando é progressivamente a incapacidade de manutenção da operação cotidiana do sistema de saúde.”

A destruição do programa Mais Médicos, cujos profissionais cubanos deixaram os locais de trabalho no final de 2018, após uma série de ataques e mentiras difundidas pelo presidente Jair Bolsonaro, é um exemplo desse descaso. Cerca de 28 milhões de pessoas ficaram sem atendimento após a saída dos 8.476 médicos cubanos de 1.575 cidades. Locais esses que passaram a não ter nenhum médico, já que brasileiros não aceitaram ir para esses municípios nos editais abertos posteriormente.

“Os governos Temer e Bolsonaro entregam aquela receita do Banco Mundial, do Consenso de Washington que tinha sido desenhada 1993. No caso da saúde era uma medicina pobre para os pobres. Ao invés de uma atenção primária de qualidade, uma atenção primitiva”, compara.

O golpe e a volta do sarampo
Para Chioro, a volta do surto de sarampo tem a ver com a incapacidade do Estado brasileiro. “Não tem nada a ver com a Venezuela, com diz o governo. Mas com a vergonhosa postura do Ministério da Saúde de não coordenar as ações necessárias de enfrentamento da circulação do vírus do sarampo.”

Quando era ministro, lembra o médico, o Brasil viveu situação parecida, mas com desfecho completamente diferente. A visita de estrangeiros não vacinados ao país reintroduziu o sarampo no Recife e em Fortaleza. “Num esforço muito grande, envolvendo o governo federal, estados e municípios, nós tivemos capacidade de enfrentar e resolver o problema”, afirma.

“Temos hoje mais de 2 mil casos de sarampo, óbitos acontecendo, de uma doença da qual tínhamos obtido o certificado de erradicação. É um exemplo da recrudescência, da reemergência de problemas que estão diretamente relacionados à falta de investimento, à desmontagem do SUS, à desorganização, ainda que o discurso seja de ficar colocando a culpa no passado. Uma postura irresponsável porque fragiliza e coloca em situação de altíssima vulnerabilidade toda população brasileira”, ressalta Chioro.

Desmonte a serviço do mercado



O ex-ministro da Saúde explica que o SUS sempre enfrentou a situação de subfinanciamento, ou seja, de ter menos recursos do que necessita. “Desde a instauração do golpe podemos afirmar que vivemos uma situação de desfinanciamento”, compara.

“É de uma perversidade inaceitável”, lamenta. “Mas na lógica desses liberais conservadores que instalam uma nova ordem no país a partir do golpe, a diminuição dos gastos públicos objetiva aumentar os lucros do sistema financeiro e aumentar o percentual da população brasileira que terá de buscar no mercado o provimento de suas necessidades.”

Chioro afirma que mesmo países capitalistas – como Canadá, Reino Unido, Itália, Espanha, França, países escandinavos  – reconheceram ao longo da história que o Estado tem papel fundamental no atendimento à saúde. “Aqui se pretende fazer o mesmo caminho desastroso que os Estados Unidos, Chile, Colômbia fizeram. E demonstram com indicadores péssimos, com incapacidade de atender às necessidades das pessoas, um caminho de transformar de vez a saúde em mercadoria.”

Assim, avisa o médico, o país caminha para a barbárie. Em um contexto de recessão econômica, de perda dos contratos formais de trabalho que permitiam acesso aos planos coletivos de saúde, não haverá capacidade financeira da população para o pagamento dos serviços de saúde. “Toda essa situação condenará milhões e milhões de brasileiros à desassistência”, avalia. “Por isso, tenho uma convicção baseada em evidências, estudos que vêm sendo feitos não só por nós da Unifesp, mas por pesquisadores em todo o país, de que nós caminhamos aceleradamente para uma situação de barbárie com a desmontagem das políticas públicas, entre elas a do Sistema Único de Saúde.”

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